10 de maio de 2010

Marco Civil da Internet promete democratizar o acesso à internet

Vagner Diniz: 'um dos objetivos do marco civil da internet é garantir uma web para todos'


Christina Lima

A visão do especialista em 'governo eletrônico' Vagner Diniz em relação ao acesso à internet é cristalina: a web é para todo mundo. Inclusive, ‘web para todos’ é o slogan do World Wide Web Consortium (W3C), órgão internacional do qual é gerente do escritório brasileiro. O consórcio congrega empresas, instituições governamentais e organizações em prol do desenvolvimento de padrões para a rede.

Em meio aos preparativos para o Congresso de Inovação e Informática na Gestão Pública (Conip 2010), evento com foco em 'governo eletrônico' e que vai debater em São Paulo, entre os dias 25 e 27 de maio, o uso de tecnologia para a melhoria da qualidade dos serviços públicos e da cidadania, Diniz concedeu essa entrevista ao Nós da Comunicação. Para o engenheiro, o marco civil da internet, ainda em discussão, contém três cláusulas essenciais. “A primeira delas é a que fala sobre a preservação da natureza participativa da rede; a segunda, a que garante o acesso à internet pelos cidadãos e a terceira é a proposta de adoção de tecnologias em padrões abertos”. Confira abaixo.

Nós da Comunicação – Quais as principais sugestões incorporadas à proposta de regulamentação elaborada pelo Ministério da Justiça e discutida em audiência pública na Câmara dos Deputados em 27 de abril sobre o marco civil da internet?

Vagner Diniz – Enviamos um conjunto de sugestões para serem incorporados ao marco civil da internet do meu campo de atuação de padrões abertos no W3C (World Wide Web Consortium) em que é fundamental a ideia de uma web para todos. Nesse contexto, as sugestões contempladas no marco dizem respeito ao conjunto de preocupações e cláusulas que garantem essa web para todos. A primeira delas é a que fala sobre a preservação da natureza participativa da rede. Nossa argumentação sempre foi que a rede mundial de computadores é colaborativa, construída com muitos nós que colaboram entre si no processo de transmissão de dados. Essa natureza participativa está no gene da internet.

A outra proposta é a garantia do acesso à internet pelos cidadãos, que não podem sofrer qualquer tipo de restrição, seja por dificuldade de acesso por conta de velocidade insuficiente, pouca memória ou pouco poder computacional ou porque o usuário não tem plena capacidade física. Nada disso deve ser um impeditivo para o acesso.

Uma terceira sugestão é que sejam adotadas tecnologias em padrões abertos na internet. Isso é necessário para que softwares proprietários que exigem aquisição de um programa específico não passem a ser dominantes e dificultem o acesso. Nessa mesma linha, defendemos que os dados da internet estejam abertos e reutilizáveis por máquinas e não apenas visíveis por humanos. Todos esses pontos estão efetivamente contemplados no marco civil da internet.

Nós da Comunicação – De que maneira o texto hoje em discussão, se aprovado, vai garantir privacidade e ao mesmo tempo a liberdade de expressão e informação na web?

Vagner Diniz – Da mesma forma que a lei protege a privacidade. A legislação já existente no Brasil, independentemente da ferramenta utilizada para comunicação, garante e protege a privacidade do brasileiro, que é inviolável, não importa se está comunicando pelo correio normal, eletrônico, pela TV ou pelo rádio. Qualquer violação da privacidade deve ser punida nos termos da lei e ponto final.

Nós da Comunicação – Entre os assuntos polêmicos estão a guarda pelos provedores de logs de acesso dos usuários e regras em relação aos conteúdos publicados na web. Como estão essas discussões?

Vagner Diniz – Diria que esses pontos são os que geram mais debate na legislação e ainda não estão resolvidos. Existe uma tensão muito clara entre os defensores do anonimato na internet como um fator fundamental de democracia e liberdade de informação e os defensores do registro obrigatório das ações na internet. Essa tensão está presente é não é fácil de resolver porque os dois lados se contrapõem no princípio. Até para os que defendem o registro é complicado porque não está muito claro o que seria o log ou o acesso à internet pelo cidadão. Outras dúvidas: o que será registrado nesse log? Como garantir que esse registro feito pelos provedores de acesso não será usado para outros fins? Como garantir que o registro seja inviolável, sigiloso se ele não for auditável? As duas posições são difíceis de serem contempladas na sua totalidade; a tensão vai permanecer e acredito que é preciso buscar um meio termo que resolva problemas dos dois lados.

Nós da Comunicação – Esperado para a próxima Festa Literária de Paraty, Robert Darnton, diretor da biblioteca da Universidade de Harvard, vem ao Brasil debater o futuro do livro. Em entrevistas, ele tem chamado atenção para as possíveis consequências da digitalização do acervo de grandes bibliotecas realizada pelo Google. O receio de Darnton de que o poder do Google gere um monopólio dos acervos procede?

Vagner Diniz - Pura bobagem. Em primeiro lugar, essa ideia do Google de digitalizar os acervos não vai vingar; pelo menos no que diz respeito aos livros protegidos por direitos autorais. O próprio Google já recuou diante das pressões. Não existe esse risco. A discussão mais delicada é a da propriedade intelectual no ambiente digital. Hoje temos uma legislação no mundo todo que é essencialmente fundamentada para o documento físico, impresso. Essa lei continua existindo e está desatualizada. Esse debate sobre propriedade intelectual e direito autoral no mundo digital é complexo e vem acontecendo há algum tempo. É importante que a sociedade participe disso de forma que se possa chegar a um consenso. Cada vez mais as pessoas publicam e distribuem conteúdo na internet e querem que mais pessoas leiam.

Nós da Comunicação – Você é gerente do escritório Brasil do W3C (World Wide Web Consortium), instalado por aqui desde 2007. Como é o trabalho do consórcio na defesa de uma ‘web para todos’, uma meta bem ambiciosa, não é?

Vagner Diniz – É uma meta bem ambiciosa, mas é preciso persegui-la se o que queremos é que a web tenha um impacto na sociedade e na vida das pessoas muito maior do que tem hoje. A ‘web para todos’ é uma visão do W3C de promover o debate e a produção de padrões abertos de tal forma que, por meio deles, a web seja acessível por qualquer pessoa, seja um usuário que tenha acesso por um aparelho móvel, por computador, ou qualquer outro dispositivo que venha a ter internet, como carro, relógio ou aparelho doméstico.

Ter uma web em qualquer dispositivo não importando o poder computacional, capacidade de memória ou outros recursos, é essencial para que qualquer pessoa possa usar a internet. Por outro lado, também desenvolvemos padrões que viabilizam que pessoas portadoras de deficiências físicas possam usar a internet sem restrição. É cada vez mais importante que se criem condições para que os usuários não encontrem mensagens desagradáveis, como, por exemplo: ‘Não é possível abrir esse site por falta de memória’ ou ‘Esse website só pode ser aberto pelo navegador X,Y, Z’. Essas são formas de impedir o acesso e não podem mais acontecer.

Nós da Comunicação – No ano passado, o W3C promoveu um workshop sobre o futuro das redes sociais. Uma das conclusões do encontro foi que essas redes vão crescer ainda mais e abrir possibilidades para uma arquitetura descentralizada na 'Web Social'. Na sua opinião, quais o avanços alcançados nessa matéria e quais os desafios daqui para frente?

Vagner Diniz – Muito se avançou em termos de redes sociais na medida em que o volume de usuários cresceu imensamente. Hoje são centenas de milhões em todo o mundo. As redes têm contribuído na formação de comunidades de interesses específicos que de alguma maneira são responsáveis por intervenções públicas ou atuam em defesa de interesses e direitos de vários setores. O maior desafio, no entanto, é o fato que as redes sociais criaram muros e a comunicação entre elas ainda é difícil. Se você participa de duas ou três redes precisa se cadastrar em cada umas delas, reproduzir as informações, migrar os contatos de uma para outra. Enfim, foram criadas paredes que precisam ser derrubadas para que as informações sejam intercambiáveis.

Nós da Comunicação – Qual a expectativa para o Conip 2010?

Vagner Diniz – Queremos tocar sensivelmente na necessidade de inovação e criatividade para avançar no volume e na qualidade de serviços oferecidos aos cidadãos. Se o governo não se apropriar dos processos de inovação como algo que faça parte da vida das cidades toda nossa criatividade brasileira vai acabar se perdendo. A ideia do Conip é tocar na questão que estimula inovação e criatividade como parte de um processo sistemático e corriqueiro de gestão de uma cidade. Queremos também mostrar a força da iniciativa de dados governamentais abertos ao redor do mundo; até mesmo para que a sociedade civil passe a usar esses dados a fim de gerar novas aplicações criativas, e serviços voltados para os cidadãos.

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