4 de maio de 2010

Pirataria: como enfrentá-la?

Por Walter Capanema

Quando se começa a estudar Direito Penal na faculdade, uma das primeiras coisas que o professor nos ensina (ou, ao menos, nos deveria ensinar) é que não são apenas os malfeitores e psicopatas que cometem crimes. As pessoas de bem cometem, diariamente, alguns pequenos delitos, quase que restritos aos crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação).

A pirataria, antes da Internet, era uma tarefa de persistentes usuários, que se conectavam a BBS , e baixavam programas de computador em seus valentes modems de 28.800 bps. Não era uma tarefa fácil: era preciso ter um programa de comunicação, saber configurá-lo e, ainda, ter a paciência de conseguir acessar a linha telefônica da tal BBS. Nesses tempos remotos, basicamente se pirateavam jogos e aplicativos. MP3? Nem existia ainda.

Com o surgimento e a disseminação da Internet e de sistemas operacionais amigáveis, a pirataria se difundiu de forma assustadora. Não são apenas os hard-users de outrora que pirateiam. Senhores respeitáveis, professores, advogados, médicos e donas de casa compartilham toda a sorte de material protegido.

E não se pirateiam apenas jogos e aplicativos, agora: são livros, audiobooks, músicas, filmes, revistas e HQs, séries de TV e tudo aquilo que puder ser digitalizado.

A pirataria se tornou, então, um crime praticado por todos e, tendo em vista a jurisprudência dos nossos Tribunais, a condenação, no Brasil* , basicamente se restringe à empresas que copiam ilegalmente sistemas operacionais, software de escritório e outros de elevado valor.

Mas como deter essa força, se até o Presidente da MPAA – entidade americana que defende os interesses dos estúdios de cinema - , afirmou, no excelente documentário “Good Copy, Bad Copy” , que a pirataria jamais poderá ser detida? Como lidar com um comportamento que é socialmente aceito pela maioria das pessoas, afinal, ninguém sofre preconceito por baixar músicas, filmes e programas, aliás, muito pelo contrário?

Existe, no Direito Penal, o princípio da adequação social, segundo o qual o legislador, ao criar uma lei criminal, deverá se restringir aos fatos que tenham relevância social, excluindo, segundo a doutrina de Rogério Greco, “as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade” ** .

Mas, alerta muito bem o autor, o fato de uma conduta ser praticada por todos não é suficiente para que ela deixe de ser crime, para que a sua norma seja revogada e desapareça do mundo jurídico.

Veja o caso do crime de adultério (art. 240 do Código Penal). Esse crime surgiu com o próprio Código, na década de 1940, e nesse tempo, muita gente foi presa. Com as ideologias do amor livre e da liberdade sexual dos anos 60, se admitiu o casamento aberto, e daí, cada vez mais esse crime era praticado, e a lei ainda tinha a sua vigência. Esse artigo só foi revogado em 2005, pela Lei Federal 11.106.

Para que a pirataria seja socialmente aceita, seria necessário revogar os dispositivos legais que tratam da violação de direito autoral do art. 184, CP (obra literária, científica ou artística), bem como o dispositivo que versa sobre os direitos do autor de programa de computador (art. 12 da Lei 9.609/98).

Surge, então, uma questão que sempre é esquecida pelos defensores da pirataria: a lei penal, quando prevê um crime, faz isso para proteger um determinado bem.

Assim, por exemplo, quando o Código Penal proíbe o homicídio (art. 121, CP), está, inegavelmente, protegendo a vida humana. E nos supramencionados art. 184 e 12, o direito autoral. A revogação dessas duas normas, embora se atendesse a uma conduta socialmente aceita, estaria deixando desprotegido o direito do autor.

Defendo que a pirataria deve continuar a ser criminalizada sim. Proteger o direito autoral é proteger a inteligência humana e suas manifestações artísticas. Todavia, entendo que esse combate não deve ser feito apenas pela lei penal.

A própria ciência econômica e as técnicas de mercado podem ser utilizadas para coibir a pirataria. Deve-se prover incentivos e facilidades para o pirata-infrator “trocar de lado” e adquirir o produto de forma legal.

Essa assertiva parece inocente e quase impossível de ser realizada. Mas, na prática, já se tem um exemplo fantástico: a App Store , da Apple, com programas e jogos para seus dispositivos móveis e telefones (iPad, iPod Touch e iPhone). O software é oferecido por preços irrisórios, em comparados aos demais, e há grande facilidade em adquirí-los e instalá-los nos gadgets. Além disso, é uma inteligente plataforma de marketing para seus produtos.

Elimina-se o trabalho de procurar, baixar e instalar um programa pirata e, ainda, há a compra legal por um preço justo e com suporte técnico.

Portanto, a pirataria, por mais corriqueira que seja, deve continuar a ser criminalizada, para proteger o direito do autor. Todavia, o mercado deve buscar, através de preços justos e facilidades, a incentivar o pirata a largar sua vida de crimes.


NOTAS:

BBS = Acrônimo de Bulletin Board System – eram sistemas de computadores que permitiam a conexão remota, para a troca de mensagens entre usuários e o download e o upload de arquivos. Algumas, mais profissionais, cobravam uma taxa mensal de uso.

* = Nos EUA, já se tem notícia de alguns casos de condenação de pessoas físicas pelo download ilegal. Contudo, os casos são insignficante comparados a quantidade de programas piratas que existem em sites norte-americanos.

MPAA = Motion Picture Association of America – Associação das Empresas de Cinema dos EUA, em uma tradução livre.

“Good Copy, Bad Copy” = Esse documentário pode ser legalmente baixado utilizando o protocolo Bittorrent. O endereço fornecido pelo produtor do filme, informado no site oficial (http://www.goodcopybadcopy.net), é http://thepiratebay.org/tor/3700777/Good_Copy_Bad_Copy_-_XviD.

** GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 5. ed. Niterói: Impetus, 2005.

App Store = Disponível em http://www.apple.com/iphone/appstore. Acesso em 15.04.2010.


O Autor: Walter Aranha Capanema é advogado, consultor, coordenador do Projeto “Combate ao Spam”. e Professor de Direito Administrativo, Metodologia da Pesquisa e Didática da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ); de Direito Público dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Público e Direito Imobiliário da Universidade Estácio de Sá (UNESA) e de Direito do Estado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Autor do livro “O spam e as pragas digitais: uma visão jurídico-tecnológica” (Editora LTr, 2009), e de diversos artigos publicados.

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